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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Filosofia medieval 1ª Parte

Santo Agostinho


"Não é certo que os leitores de Agostinho passarão os portais do céu. Mas é seguro que eles entrarão no paraíso da literatura." Assim se referiu com muita pertinência a santo Agostinho o historiador materialista Luiz Felipe de Alencastro, num pequeno artigo sobre este que é um dos maiores pensadores católicos de todos os tempos.

De fato, além de filósofo, Agostinho era um escritor primoroso, expoente da literatura em língua latina, o que pode ser confirmado principalmente pela leitura das suas Confissões, uma obra-prima. No entanto, infelizmente, mesmo lido em português, não se trata de um livro fácil para o leitor de hoje. Contraditoriamente, trata-se de uma obra de gritante atualidade.

Quem quiser se aventurar a conhecê-la deve se lembrar de que só se pode ver o panorama esplendoroso do pico de uma montanha depois de empreender uma difícil escalada. Da mesma maneira, é difícil explicar em poucas linhas a obra de Agostinho, que conta com cerca de 5 milhões de palavras.

Aspectos biográficos

Por isso, este artigo se limitará a alguns aspectos do filósofo e teólogo, a começar pelos biográficos, já que as Confissões são, em sua maior parte, uma autobiografia - a primeira escrita na história da humanidade.


Agostinho ou Aurelius Augustinus (354-430) foi um homem que viveu num momento limite: o Império romano se esfacelava: com a queda de Roma terminava o mundo antigo e tinha início a Idade Média, por isso, talvez, o filósofo tenha produzido uma obra que é essencialmente a síntese do pensamento de Platão com o cristianismo.


Seus pais se esforçaram para mandá-lo estudar na Universidade de Cartago, a grande metrópole da África romana. Em vez de dedicar-se aos estudos, Agostinho preferiu dedicar-se a uma vida de prazeres, preferencialmente os sexuais, tanto que se celebrizou sua seguinte frase: "Senhor, torna-me casto, mas não ainda".


Independentemente disso, Agostinho leu o filósofo e orador romano Cícero (106-43a.C.) e, influenciado por ele, deu início a uma busca filosófica pela verdade, que o levou a adotar as mais diversas posições filosóficas e religiosas (maniqueísmo, ceticismo) até abraçar o cristianismo aos 32 anos. Mais tarde se tornaria bispo da cidade de Hipona (atual Annaba, na Argélia).


O tempo

Segundo ele mesmo relata, obteve nesse momento uma revelação divina, juntamente com sua mãe (Santa Mônica), e mudou de vida, embora seu pensamento, desde então, evoluísse gradativamente, com as idéias amadurecendo ao longo do tempo. O tempo, aliás, foi objeto de suas reflexões, que, sobre esse tema, anteciparam o pensamento de Descartes (1596-1650),Kant (1724-1784), e Schopenhauer (1788-1860).


Para Agostinho, o tempo não tem realidade em si, é uma invenção do homem, constituído por três nadas: o passado, que não existe mais; o futuro, que ainda não existe; e o presente, tão fugaz que é uma mistura de passado e futuro. É a partir daí que se compreende com certa facilidade a concepção agostiniana de Deus.


Assim como Platão (427-347 a.C.), Agostinho concebe Deus como uma entidade que pertence a um reino de verdades atemporais, perfeitas e imateriais, com o qual só temos contato de maneira não-sensorial: tendo sido feitos à imagem e semelhança de Deus, uma parte desse reino existe dentro de nós (e pode ser identificado com a alma).


Interioridade

Dentro é outra palavra chave para conhecer o pensamento de Agostinho: em sua busca filosófica, ele deixou de lado a reflexão sobre o mundo exterior, e fez uma profunda introspecção para descobrir a sua interioridade, a essência do ser humano. Por isso, Agostinho é considerado também um pioneiro da psicologia.


Para encerrar, convém lembrar que o cristianismo - antes de Agostinho - pouco tinha de filosófico: consistia da crença num Deus criador que se fez homem e num conjunto de instruções morais. Por isso, o filósofo pôde conciliá-lo sem contradições ao platonismo.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

hipótese documentaria - 1ª parte


hipótese documental (DH) (às vezes chamado a hipótese de Wellhausen, depois de Julius Wellhausen , embora ele não inventá-la), afirma que o Pentateuco (a Torah , ou os Cinco Livros de Moisés ) foi derivado originalmente de fontes independentes, paralelas e complementos nas narrativas , que foram posteriormente combinadas na forma atual por uma série de redatores (editores). O número destes é geralmente fixada em quatro , mas esta não é uma parte essencial da hipótese.
Mesmo na Idade Média, alguns rabinos tinha manifestado dúvidas sobre a visão tradicional, mas no século 17 que se encontra sob crescente e um exame minucioso.Em 1651 Thomas Hobbes , no capítulo 33 do Leviathan, empacotado uma bateria de passagens como Dt 34:06 ("ninguém soube até hoje o lugar da sua sepultura", implicando um autor vivo por muito tempo após a morte de Moisés); Gen 12:06 ("Os cananeus estavam então naquela terra.", implicando um autor que vivem em uma época em que os cananeus já não estava na terra) e Num 21:14 (referindo-se a um livro anterior de" atos de Moisés), e concluiu que nenhum deles poderia ser por meio de Moisés. Outros, inclusive Isaac de la Peyrère , Baruch Spinoza , Simon Richard e Hampden John chegou à mesma conclusão, mas suas obras foram condenadas.
Em 1876-1877 Julius Wellhausen publicou Die Composition des Hexateuch ("A composição do Hexateuch ", ou seja, o Pentateuco, além do livro de Josué ), na qual expôs a fonte, a hipótese quatro origens do Pentateuco, que foi seguido em 1878 por Prolegomena zur Geschichte de Israel ("Prolegômenos para a História de Israel"), uma obra que traça o desenvolvimento da religião dos antigos israelitas a partir de uma secular, não-sobrenatural ponto de vista completamente. Wellhausen contribuíram pouco que era novo, mas peneirado e combinado do século anterior da bolsa de estudos em uma abordagem global, teoria coerente sobre as origens da Torá e do judaísmo, uma tão persuasiva que dominou o debate acadêmico sobre o assunto para os próximos cem anos. 
Em resumo, a Hipótese Documentária vê a Torá sendo redigida por uma série de editores retirados de quatro grandes linhas de tradições literárias. Estas tradições são conhecidas como JED, e S.

J (o Javeista ou a fonte de Jerusalém) usa o Tetragrama (YHVH) como o nome de Deus. O interesse da fonte indica que ela foi ativa no reino do sul de Judá na época do reinado dividido. J é responsável pela maioria do Gênesis.
E (o Elohista) usa Elohim ("Deus") como o nome divino até Êxodo 3-6, onde o Tetragrama é revelado a Moisés e a Israel. Essa fonte parece ter vivido no reino do norte de Israel durante o reinado dividido. E escreveu o conto da aquedá (a atadura de Isaque) e outras partes de Gênesis, e bastante de Êxodo e Números.
J e E foram combinados como um só trabalho bem cedo, aparentemente depois da queda do reino do norte em 722 AEC. É geralmente bastante difícil de separar as histórias de J e E depois da fusão.
D (o Deuteronomista) escreveu quase todo o livro de Deuterônimo (e provavelmente também os livros de Josué, Juízes, Samuel, e Reis). Acadêmicos muitas vezes associam Deuterônimo com o livro achado pelo Rei Josias em 622 AEC (veja 2 Reis 22)
S (a fonte Sacerdotal) forneceu o primeiro capítulo de Gênesis, Livítico e outras seções com informação genealógica da classe de sacerdotes e culto. De acordo com Wellhausen, S foi a informação menos antiga. Os sacerdotes colocaram a Torá na sua forma final um pouco depois de 539 AEC.
R (o Redator) pode ser a mesma pessoa que S, mas foi a pessoa que juntou todos os trabalhos de JES, e D para concluir a Torá que conhecemos hoje em dia.
Eruditos críticos mais contemporâneos não concordam com Wellhausen e entre eles próprios, especialmente no detalhe de quem foi adicionado por último, se D ou S. Mas todos eles concordam que o que é abordado em geral pela Hipótese Documentária é a melhor explicação pelas histórias dúplicas, tríplicas, contradições, diferenças na terminologia e teologia, e os interesses geográficos e históricos que encontramos em várias partes da Torá.
Estas são algumas diferenças entre as quatro linhas de tradição:

    J (Javeista):

  • Escritos se focam na humanidade.
  • Pode possivelmente ser uma mulher. Os escritos dele(a) mostra mais sensitividade a mulheres do que E.
  • Dá ênfase a Judá (sul).
  • Dá ênfase aos líderes.
  • Fala de Deus em maneira antropomórfica.
  • Deus anda e fala com as pessoas.
  • Deus é YHVH.
  • Usa "Sinai".
  • O hebraico usado foi provavelmente escrito entre 848 AEC e 722 AEC.

    E (Eloista):

  • Era um homem.
  • Dá ênfase ao Reinado de Israel (norte).
  • Dá ênfase a profecias.
  • Escreveu os 10 mandamentos em Êxodo 20.
  • Fala de Deus em uma forma aprimorada.
  • Deus se comunica com humanos nos sonhos.
  • Deus é Elohim (até Êxodo 3).
  • Hebraico provavelmente escrito entre 922 AEC e 722 AEC.
  • Pode ser um sacerdote que vê Moisés como um ancestral espiritual.
  • Sinai é "Horeb"

    S (Sacerdotal):

  • Era um sacerdote que identificava Aarão como seu ancestral espiritual.
  • Não concordava com o trabalho de JE, e D; criou uma história alternativa.
  • Viveu depois de JE, e D porque conhecia os livros dos profetas que os outros não conheciam.
  • Viveu quando a religião chegou ao estágio Sacerdotal/Jurídico, antes da destruição de Jerusalém em 587 AEC.
  • Dá ênfase a Judá (sul).
  • Dá ênfase ao culto.
  • Fala de Deus de forma majestosa.
  • Vê um Deus distante, menos pessoal que J e E; algumas vezes crítico e severo. A palavras "misericórdia", "graça", e "arrependimento" não aparecem nos seus escritos (embora aparecem 70 vezes nos escritos de JE, e D).
  • Aborda Deus através de cultos.
  • Deus é El Shadai e Elohim.
  • Tem geneologias e listas.

    D (Deuteromomista):

  • Viveu depois de J e E, porque sabia sobre acontecimentos mais recentes na história de Israel.
  • Viveu em uma época em que a religião do antigo Israel estava em seu estágio espiritual/ético (cerca de 622 AEC).
  • Era provavelmente um sacerdote levítico. Talvez Jeremias.
  • Um segundo escritor editou o texto original depois da destruição de Jerusalém em 587 AEC.
  • Põe ênfase em um santuário central.
  • Promove fidelidade à Jerusalém.
  • Fala de Deus lembrando de Seu trabalho.
  • Método moralista.
  • Deus é YHVH.
  • Inclui longos sermões.

    R (Redator):

  • Foi um sacerdote Aaronita, o que significa que era um homem.
  • Juntou os trabalhos de JED, e S para finalizar a Torá como ela é hoje.



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Fontes:
um vocabulário básico de estudos bíblicos para estudantes: A Work in Progress, Fred L. Horton, Kenneth G. Hoglund, e Foskett F. Mary, Universidade de Wake Forest, 2007
JudaismoProgressista.Org
 Para um breve panorama da luta iluminista entre erudição e autoridade, ver Richard Elliott Friedman, "Quem escreveu a Bíblia?", pp.20-21 (capa dura original de 1987, edição em brochura HarperCollins, 1989).


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

História da Escatologia: Escolástica Medieval

Santo Tomás de Aquino

O tratado escatológico desenvolvido no início da escolástica mostraPedro Lombardo († 1160) conferindo o definitivo direito de cidadania em seu sistema doutrinal teológico. Apesar de que, neste início da Escolástica o interesse maior era pelos temas da ‘criação e redenção’, fazendo com que o debate sobre as coisas últimas nos seja apresentado apenas por certo número de frases isoladas. Os primeiros passos nesse rumo, da definição de um tratado sobre a escatologia, são dados por Honório de Autun († 1152), Robertus Pullus († 1147/50) e Hugo de São Vítor († 1141). Em sua obra principal, De sacramentis christianae fidei, Hugo de São Vítor tentou, desenvolver a idéia de um grandioso Reino de Deus, superior a todos os regimes deste mundo.    
 Com o passar do tempo, os estudos avançam e começam surgir inúmeras sentenças relativas aos éschata, sendo, uma das mais determinantes, a sentença de Simão de Tournai (†1201), o primeiro a questionar sobre os argumentos apresentados pró ou contra a concepção da unidade do homem, tendo, como ponto comum a imortalidade da alma, por ser dado revelado, quanto a considerar-se a ressurreição como um acontecimento de ordem natural. Excetuando Pedro de Cápua(†1242), todos os outros teólogos, dessa época, afirmam o caráter miraculoso da ressurreição, e o dado principal é a referência cristológica, à luz da qual se observa a ressurreição. Também, aqui, nos defrontamos com a causa da fé e da recompensa.   
O problema é expressamente levantado e solucionado na Summa anônima “Breves Dies hominis” (1195-1210): “A ressurreição de Cristo, embora não seja causa efficiens de nossa ressurreição, se insere na relaçãocristológica, pois a ressurreição de Cristo é o pressuposto absolutamente indispensável, a condição de possibilidade, a causa sine qua non de nossa ressurreição”. Se os homens não ressuscitassem, a paixão de Cristo seria inútil. Idéia também, a que coordena entre si sacramentos e escatologia. Já, Guido de Orchelles († 1225/33) aborda os temas escatológicos num apêndice à sua doutrina sacramental. E, na Summa Aurea deGuilherme de Auxerre († 1231), intitula seu tratado sobre os Novíssimos De sacramentorum effectu, sive de resurrectione. Aqui o pensamento vale-se, imediatamente, à coordenação entre ressurreição e eucaristia, já formulada em Santo Irineu († 202).   
Infere-se claramente aqui a veritas humanae naturae, que se define a partir do corpo ressuscitado. Segue-se daí uma recíproca relação entre antropologia e escatologia, apresentada por Pedro de Cápua († 1214). A gênese histórica de tal questão apresenta problemas e dificuldades que remontam à própria patrística. A afirmação “os mortos ressuscitam” é sempre recebida com reservas profundas. O que sustentava a zombaria e provocava a rejeição era sobretudo a convicção de uma identidade e integridade do ressuscitado ou do corpo da ressurreição. E, Pedro de Cápua ilustra a “veritas humanae naturae” empregando o conceito de “integritas” ou “puritas” do homem. Claro que esse postulado da integridade da natureza humana é formulado em referência ao estado da transfiguração do homem e, assim, motivado em chave antropológica e se amplia até apreender aquilo que essencialmente pertence à real corporeidade e vida plena do homem.   
Na Alta Escolástica, São Tomás de Aquino († 1274) diz, que “a ressurreição exige a integridade do homem”. E quais seriam os elementos essenciais que garantam a realidade da alma e a vida do homem. Santo Tomásrecorre ao princípio aristotélico da “anima forma corporis”: A alma se exprime na matéria, tanto na condição gloriosa como na da peregrinação. A integridade da natureza humana é exigida pela mesma justiça enquanto o homem inteiro em todos os seus membros deve ser premiado ou castigado, prêmio e castigo que ele mereceu também com o concurso do corpo. Os corpos deverão ser perfeitos também porque a divina Sabedoria há de se manifestar na ordem da matéria, para que através da perfeição do corpo transpareça a beleza e para que o louvor a Deus se traduza também na esfera material, no ser e agir do corpo.   
Para Tomás de Aquino é inconcebível perfeição que não signifique também realização definitiva do próprio corpo. O motivo, em última análise, que está por trás, a estas reflexões sobre a perfeição do homem transfigurado, é de natureza claramente teológica, e se fundamenta naquele Deus que leva a plena realização a obra de suas mãos. A motivação escriturísticas poderia achar-se em Dt 32,4: “Ele é o rochedo, perfeita é a sua obra, justos, todos os seus caminhos; é Deus de lealdade, não de iniqüidade, ele é justo, ele é reto”.   
Então, para uma melhor compreensão, podemos dizer que a temática (da escatologia) no primeiro período da Escolástica, assinala dois tipos de solução. Numa primeira tendência, representada por Hugo de São Vítor († 1141), Roberto Pullus († 1147/50), Roberto de Melun († 1167), Pedro Lombardo († 1160) e Pedro de Poitiers(† 1215), compreendem a ressurreição como “revivificação do corpo”. A ênfase aqui posta no corpo humano, pode assumir, a idéia de uma ressurreição compreendida também em sua dimensão física e corporal. Roberto de Melun, insiste notavelmente, na transfiguração do corpo e apresenta o motivo do sentido, pois está, ligado à ressurreição de Cristo. Quando se acentua a função do corpo, torna-se também mais agudo o problema de suasubstânciaidentidade e integridade. Um segundo grupo de pensadores, ainda deste primeiro período da escolástica: Simão de Tournai († 1201), Radulfus Ardens († 1200), Alano de Lille († 1204), Pedro de Cápua († 1214), Estevão Langton (†1228), Guido de Orchelles († 1225/33) e Guilherme de Auxerre († 1231), entendem por ressurreição a reconstituição do homem. A morte é interpretada como dilaceração da unidade que existe entre corpo e alma, e, por conseguinte coincidindo com o fim do homem. Ressurreição significa reunião do corpo com a alma, e reconstituição do homem.  Como observamos em Alano de Lille, o homem não ressuscitaria, caso o corpo e a alma não ressurgissem: “A ressurreição é a reunificação do corpo com a alma, os quais foram separados com a morte”. Gilberto de La Porré, ou Poitiers (†1154), diz que com a ressurreição, esse homem que a morte destruíra começa agora a existir de modo totalmente novo e é capaz, com sua natureza íntegra, de contemplar a Deus. Deste modo, entendemos, que a doutrina de uma morte que fosse capaz de destruir o homem inteiro não acha acolhida nos primeiros escolásticos. Estes afirmam, em harmonia, a idéia de que a alma espiritual continua sobrevivendo após a morte do homem; a seus olhos a imortalidade da alma é uma verdade inalienável, que faz parte do próprio patrimônio da Revelação.   
Já na Alta Escolástica, Tomás de Aquino († 1274), diz que a alma se une, na ressurreição, com qualquer matéria, que obviamente se apresenta apenas no estado de matéria segunda, mas que na ressurreição da nova forma é matéria prima e pode ser transmudada em matéria segunda que agora se estrutura diferentemente da anterior. Temos assim de novo o mesmo corpo e o mesmo homem. Na morte o substrato material do homem se transfere para uma matéria segunda, que apresenta formações diversas das antecedentes. Para a alma, todavia, ele é, porém sempre forma prima. O que a matéria prima nos mostra é apenas pura potentia, sem qualquer ulterior determinação.   
Os pensadores medievais em geral concordam em afirmar um crescimento na bem-aventurança, motivada pela participação do corpo no estado glorioso; mas divergem as opiniões assim que se aborda o problema do como se deve interpretar essa intensificação. Podemos sem dúvida pensar que essa idéia do aumento intensivo da felicidade eterna, mediante a união da alma com o corpo, se integre no grupo das opiniões sustentadas pela escola franciscana. Em linha geral a Alta Escolástica admite um aumento tanto extensivo como intensivo da beatitude por causa da ressurreição. Bento XII († 1342) na Bula Benedictus Deus, de 1336, afirma claramente uma intensificação substancial do estado de glória e de pena, no último dia.   
Seguindo a tradição do Início da Escolástica, os mestres da Alta Escolástica colocam o tratado sobre a escatologia no final de seu sistema. Concretamente, isto significa que a escatologia se une à doutrina dos sacramentos. Pedro de Poitiers num contexto histórico-salvífico e cristológico, entendia os sacramentos como a via que conduz os membros até onde a Cabeça já se encontra. Nos sacramentos via ele também o início da atividade que o Ressuscitado exerce em relação a nós todos. Guilherme de Auxerre, qualifica a ressurreição como “effectus sacramentorum”. Tomás de Aquino, vê nos sacramentos os “signa prognostica praenuntiativa futurae gloriae”. E, descrevendo a eficácia da unção dos enfermos, exprime-se Alberto Magno(† 1280) deste modo: “Através da Unção, somos conformados ao Ressuscitado”.   
João Capréolo († 1444) nos ilustra as conseqüências a que leva essa perspectiva: “O efeito principal a que tende o sacramento da ‘Unção’ não é revigorar o homem em face dos assaltos da última hora e nem tampouco reduzir a culpa ou a pena pelos pecados veniais cometidos, mas sim prepará-lo para a glória do corpo e da alma. E isto mediante a eliminação dos resíduos do pecado, que impedem a aceitação da glória e a destinação da alma e do corpo a ela”.   
A mesma naturalidade com que a “teologia dos sacramentos” utiliza elementos escatológicos, reaparece igualmente na “teologia da Graça”. Quando se olha para a Graça, pensa-se na GlóriaBoaventura († 1274) resume essa dimensão escatológica da Graça nas palavras “Gratia est similitudo gloriae”. Também das referências à consumação definitiva, podemos concluir o papel de primeira importância que o éschatondesempenha na teologia fundamental. Aqui não se vê a Deus somente como causa eficiente e exemplar de toda a criação, mas também como o fim para o qual vai tendendo. Interessante, a este propósito, a transposição que achamos no Compendium theologiae, de Tomás, onde se insere a escatologia na doutrina da criação.   
De importância fundamental é a ligação que se estabelece entre escatologia e cristologia. A escatologia acaba absorvida pela cristologia, a tal ponto que muitas vezes não se consegue compreender, do modo como é formulado um tema, se o objeto se refere a um problema cristológico ou escatológico. A ressurreição do Senhor se torna assim o ápice da cristologia e ponto de partida da escatologia.   
Referência: Feiner J, Loehrer M., Mysterium Salutis, Do Tempo para a Eternidade, Volume V/3, Ed. Vozes, Petrópolis, RJ,1985.